No dia-a-dia dos hobbistas, técnicos e engenheiros, a medição das tensões presentes nos mais diversos circuitos é uma necessidade constante.
O equipamento para esta tarefa é o voltímetro, nosso velho conhecido. Até aí, nenhuma novidade. O que muita gente não sabe é como fazer seu próprio voltímetro.
Neste artigo quero mostrar como podemos projetar nosso próprio voltímetro com galvanômetro.
No artigo
Galvanômetro - Alguém ainda sabe utilizá-lo? eu disse que a única medida que existe é a de corrente e que as outras são adaptações desta medida, obtidas com a Lei de Ohm.
- Como faremos então para medirmos voltagens com o galvanômetro?
Vou explicar a idéia que solucionará nosso problema. Depois, exemplificarei o que foi dito com alguns cálculos.
Ao fazer circular uma corrente pelo galvanômetro aparecerá uma diferença de potencial entre seus terminais devido a sua resistência interna. Este é um modo de ver.
O outro é o seguinte: Se eu ligar aos terminais do galvanômetro uma fonte de tensão, circulará pelo mesmo uma corrente que causará o deslocamento da sua agulha.
Para um galvanômetro com resistência interna R
g e escala I
g (corrente máxima que pode circular em sua bobina), temos que a tensão máxima que podemos aplicar entre seus terminais é
Equação 1
Eu disse, também naquele
post, que
o deslocamento angular da agulha do galvanômetro é proporcional à corrente que circula por sua bobina.
A corrente, de acordo com a velha Lei de Ohm, é proporcional a tensão. Logo, posso reescrever a afirmação acima em função da tensão:
o deslocamento angular da agulha do galvanômetro é proporcional à tensão aplicada entre seus terminais.
Vou dar um exemplo prático, para clarear as ideias.
Vamos supor que o resistência interna do galvanômetro (R
g) seja de 300 ohms e que sua escala (I
g) é de 1 mA. Isso implica que a tensão máxima que posso aplicar entre seus terminais é V
g = 0,3 V.
Vou aplicar várias fontes de tensão entre os terminais do galvanômetro, uma fonte por vez, e analisar o deslocamento do ponteiro do galvanômetro e a corrente que circula na sua bobina.
Para V = 0 volt, I = 0 A e a agulha estará em repouso.
Para V = 0,15 volts, I = 0,5 mA e a agulha estará no meio do seu curso (escala).
Para V = 0,3 volts, I = 1 mA e a agulha estará totalmente deflexionada.
Podemos repetir este processo várias vezes, com valores menores ou iguais a V
g e notaremos que o deslocamento da agulha será sempre proporcional à tensão aplicada.
Isso significa que podemos usar este galvanômetro como um voltímetro para medir tensões entre 0 e 300 mV.
- Muito legal! Mas há um probleminha: a grande maioria das tensões que precisamos medir são muito maiores que 300 mV. Se tentássemos usar o galvanômetro diretamente nestes casos, ele iria queimar!
É verdade. Como podemos resolver isso? Simples. Recorreremos novamente à velha e boa Lei de Ohm.
Para tensões maiores que V
g, a corrente será maior que I
g, o que ocasionará a queima do instrumento. Nosso problema consiste em limitarmos a corrente que circula pela bobina do galvanômetro, de modo que para a máxima tensão que queiramos medir, ela não ultrapasse sua escala.
Conseguiremos limitar a corrente com o uso de um resistor em série com a bobina do galvanômetro. A figura 1 ilustra esta idéia.
Figura 1 - resistor série para limitar a corrente que circula no galvanômetro
O equivalente elétrico da figura 1 é apresentado na figura 2, onde o galvanômetro é substituído por sua resistência interna.
Figura 2
O resistor série (Rs), também chamado de resistor
multiplicador,
multiplica a capacidade de
medição de tensão do galvanômetro e deve ter seu valor convenientemente calculado.
Da análise do circuito da figura 2, podemos escrever a equação 2
Equação 2
onde:
- V - tensão máxima que se deseja medir.
- Ig - corrente máxima que pode circular pelo galvanômetro.
- Rg - resistência interna do galvanômetro
- Rs - resistor série ou multiplicador que se deseja determinar.
Podemos reescrever a equação 2, conforme mostrado abaixo:
Equação 3 - Determinação do resistor série
Por meio da equação 3, podemos calcular um valor de R
s que nos permita medir qualquer valor de tensão.
Vamos fazer um voltímetro que meça até 10V, para exemplificar o que acabei de explicar. Estou assumindo que a resistência interna e a escala do galvanômetro são 300 ohms e 1 mA, respectivamente.
Substituindo os valores apresentados na equação 3, teremos
Em um post denominado
Resitores de Precisão, eu disse que nem sempre faz-se necessário o uso de resistores com tolerâncias extremamente baixas. Neste circuito, ao contrário, é fundamental que os resistores sejam o mais precisos possível, pois os erros de medição dependerão muito da precisão do valor do resistor série.
Aconselho que a tolerância seja no máximo de 5% (o ideal é que se usasse resistores de 1%).
Outro ponto a ser notado é que, para muitas medidas, a resistência interna do galvanômetro (R
g) pode ser desprezada.
Se no exemplo anterior tivéssemos desprezado o valor de R
g, R
s seria de 10K ohms, ao invés de 9700 ohms. Isso nos daria um erro de 3%.
Agora, se fôssemos medir uma tensão máxima de 100V, com o mesmo galvanômetro, o valor de Rs seria de 99700 ohms. Se desprezássemos R
g, teríamos R
s = 100K ohms, o que nos daria um erro, neste caso, de apenas 0,3 %.
Note que quanto maior o valor de R
s, mais desprezível se torna o erro devido a não computarmos o valor de R
g nos cálculos.
Do mesmo modo que fizemos no projeto do
Amperímetro com Galvanômetro, vamos montar uma configuração de circuito que nos permita medir diferentes grandezas com o mesmo equipamento.
Em outras palavras, a figura 3 abaixo ilustra o esquema de um voltímetro multi-escalas.
Figura 3 - Voltímetro multi-escalas
Outro modo de montarmos o voltímetro multi-escala apresentado na figura 3 é mostrado na figura 4. O leitor atento notará que eles são eletricamente equivalentes.
Figura 4 - Voltímetro multi-escalas - versão alternativa
Fica como exercício para os leitores a determinação das potências dos resistores utilizados nos circuitos mostrados e o cálculo dos erros nas medições pelo uso dos valores apresentados em relação aos calculados.
Apesar de não ter comentado nada no post
Amperímetro com Galvanômetro, tanto naquele projeto quanto neste, os valores que podem ser medidos são contínuos, pois como falei no artigo
Galvanômetro - Alguém ainda sabe utilizá-lo?, o galvanômetro é um componente
polarizado.
Para a medição de sinais alternados é necessário fazer algumas
adaptações nos circuitos apresentados.
Pretendo mostrar como fazer estas adaptações em publicações futuras. Antes, porém, quero escrever alguns artigos que forneçam o embasamento necessário para se entender como tais adaptações funcionam.