Todos que têm a Eletrônica como hobby precisarão criar suas próprias placas de circuito impresso (PCIs).
Quando a gente começa a brincar com a Eletrônica, normalmente os circuitos são muito simples e as plaquinhas também. Para fazê-las, dá para desenharmos os circuitos usando as canetas próprias para isso. Conforme avançamos com os conhecimentos, os circuitos tendem a ficar mais e mais complexos. Aí, já não será mais possível continuar a desenhar as placas manualmente.
Como faremos então? Há vários métodos para criarmos as PCIs: desenho manual, decalques, processo térmico, serigrafia, processo fotográfico, entre outros.
O processo fotográfico que descrevo neste artigo eu aprendi neste fórum:
Faça placas de circuito impresso com qualidade profissional.
Assim, antes de continuar com o tema deste artigo, gostaria de agradecer a todos que participaram deste fórum por terem compartilhado suas experiências e conhecimentos, fazendo com que esse processo deixasse de ser uma
arte oculta.
Um agradecimento especial vai para o Ferocactus e para o Akira386. Eu não os conheço, mas o empenho deles em divulgar esse método foi uma iniciativa fantástica. Obrigado.
Este processo que vou descrever permite a criação de placas com trilhas extremamente finas com alta qualidade, sendo que o resultado final dependerá muito da prática. Quanto mais prática, melhor os resultados (como quase tudo na vida).
Outra coisa que o amigo leitor deve ter em mente: o processo que descrevo foi aquele com o qual eu melhor me adaptei. Existem variações sobre como fazer as placas por esse processo. Aconselho a todos os interessados neste método que leiam a discussão no fórum, desde o início, para entender os erros e acertos do pessoal, bem como para aprender as diversas variações que existem.
Vou assumir que de algum modo tu tens o
layout da placa de circuito impresso (baixaste da internet um pdf ou uma imagem jpg ou tens os arquivos de algum programa específico para criar placas, como o
KiCAD ou o
Eagle, por exemplo.
Tu deves adquirir uma emulsão para confecção de matrizes resistentes a tintas solúveis em
água e seu respectivo sensibilizante. Geralmente essa emulsão é de cor verde, independente de quem é o fabricante.
Existem várias marcas no mercado. Eu utilizo a emulsão e o sensibilizante da marca Tec-Screen, conforme mostrado na figura 1 abaixo.
Figura 1 - Emulsão e sensibilizante.
As ferramentas que tu vais precisar são:
- uma seringa de 1ml, dessas de insulina. Comprar na farmácia.
- uma seringa de 10 ou 20ml. Comprar na farmácia.
- um rolo de espuma, que pode ser adquirido em qualquer loja de tintas.
- um pincel. Pode ser obtido em papelarias.
- um esponja scotch-brite. Comprado na farmácia ou tirado da cozinha de casa ;)
- uma vasilha plástica em que a placa caiba. Eu reaproveitei uma embalagem dessas de paçoquinha.
- uma escova de dentes macia. Podes comprar uma nova ou reaproveitar uma usada.
- sapólium radium (outro ataque a cozinha)
- um secador de cabelos (pegue emprestado da patroa, para não gastares dinheiro com isso ;)
- ventilador (com certeza tens um em casa). Opcional.
- uma centrífuga (vou falar dela mais adiante). Opcional.
- uma impressora (jato de tinta ou a laser).
A figura 2 abaixo ilustra quase todos os materiais citados.
Figura 2 - Alguns dos materiais necessários.
Preparação da imagem.
Deves usar algum programa de desenho decente (o
Gimp, por exemplo), e obter uma cópia invertida e em
negativo do layout para o qual queres gerar a placa.
A figura 3 mostra um layout normal e a figura 4 mostra o mesmo
layout em negrito e espelhado, para que tu tenhas uma ideia do que estou falando.
Figura 3 - Exemplo de layout.
Figura 4 - Layout em negativo e invertido.
Obtenção do fotolito.
Imprima a imagem invertida e em
negativo do circuito em papel para transparências. Faça 3 cópias idênticas, recorte-as e monte uma sobre a outra, de modo a aumentar a opacidade da mesma.
Por quê três cópias? Porque geralmente em uma única impressão a parte em negro não fica tão opaca quanto deveria.
A figura 5 mostra como fica a opacidade da impressão. Ignore a mancha branca na imagem do meio. É apenas o reflexo da luz.
Figura 5 - Opacidade de Uma única impressão em papel para transparências próprio para impressora jato de tinta.
Pode-se notar na imagem da figura 5 que o preto não é totalmente preto. A figura 6 mostra o fotolito montado com 3 imagens sobrepostas.
Figura 6 - Fotolito montado com 3 imagens sobrepostas.
Veja na figura 6 como a sobreposição das imagens torna o desenho muito mais opção.
Para imprimir eu uso a impressora jato de tinta Epson Stylus Photo R270, configurada para imprimir em papel fotográfico com qualidade máxima.
O papel utilizado é o papel para transparências com tarja para impressoras jato de tinta, formato A4 de 100 micra, da
Sistem (Sistem é escrito com
i mesmo).
Notas:
- a impressão deve ser feita no lado fosco do papel.
- após a impressão, deixe a impressão secar naturalmente por, no mínimo, uns 15 minutos. Não force a secagem de modo algum. Nem com secador e nem com ventilador.
Preparação da Emulsão
Em um ambiente
escuro, misture 9 partes de emulsão para 1 parte de sensibilizante. Com uma espátula, um palito ou qualquer outra coisa que tenhas em mãos, mexa a mistura devagar por uns 5 minutos. Depois deixe-a descansar,
no escuro, por pelo menos uns 30 minutos. Isso é necessário para que não fiquem bolhas na mistura, pois elas atrapalham o processo.
Eu uso a seringa maior (de 10 ml) para puxar exatamente 9ml de emulsão de dentro do pote e a seringa de 1ml para pegar exatamente 1ml de sensibilizante.
Misturo ambos em um pote vazio de filme fotográfico, pois nele cabe perfeitamente essa quantidade além dele isolar muito bem a luz dos produtos. A figura 7 mostra o recipiente onde as misturas ficam.
Figura 7 - Recipiente de filme fotográfico, usado para guardar a mistura emulsão + sensibilizante.
Notas:
- O sensibilizante (dicromato de amônio) é altamente tóxico, assim, use luvas e evite o contato direto com a pele. Estás avisado. Depois não vá chorar.
- Conserve tanto o sensibilizante quanto a emulsão longe da luz.
- Só misture os produtos quanto fores usá-los, e na quantidade necessária, pois a partir do momento em que a mistura é feita, o processo de endurecimento se inicia.
- A mistura obtida, se bem acondicionada e longe da luz (como por exemplo, dentro do tubo de filme fotográfico), dura vários dias.
- Lave as seringas muito bem logo após o uso, retirando qualquer resto de emulsão ou sensibilizante, pois do contrário elas não poderão ser usadas novamente. As seringas travam de tal modo que não é possível puxar ou empurras para fora nenhum fluído. Guarde as seringas desmontadas.
Minha experiência mostra que, mesmo bem lavadas, se forem guardadas com o êmbolo dentro da seringa, o atrito aumenta muito, dificultando seu uso.
Limpeza da placa
Para limpar a placa, use a esponja scotch-brite (lado mais abrasivo) e detergente. Para ter certeza que a limpeza está adequada, faça o seguinte: molhe a placa e vire-a de lado. Caso se forme uma película de água por toda a placa, ela estará bem limpa. Do contrário, continue com a limpeza.
Após a placa estar bem limpa, seque-a com papel higiênico e/ou secador de cabelos.
Não toque mais no cobre!
Aplicação da Emulsão na placa
Em um ambiente o mais escuro possível, com um pincel ou espátula, aplique a mistura emulsão + sensibilizante preparada anteriormente por toda a placa, deixando a camada aplicada o mais uniforme possível.
Tome cuidado para que a camada aplicada não fique nem muito fina nem muito grossa. Tente evitar a formação de bolhas.
Com o pincel, eu aplico uma camada generosa da mistura sobre a placa e depois a coloco sobre a centrífuga, para que ela fique mais homogênea.
A minha centrífuga nada mais é que uma ventoinha tirada de uma sucata de fonte de PC. Eu coloque uma fita dupla face sobre a ventoinha e depois prendo a placa sobre a fita.
Se tu fores usar uma centrífuga, lembre-se de proteger as laterais, pois ela vai espalhar emulsão para todos os lados e aí a patroa (ou a mamãe, dependendo do caso), não vais gostar nem um pouco ;).
As figuras 8 e 9 mostram a minha centrífuga.
Figura 8 - centrífuga desmontada.
Figura 9 - centrífuga montada com a placa e a proteção anti-sujeira.
Repare nas imagens, mancha verde rodeando toda a parede do anteparo. Se não fosse pela proteção, eu teria sujado tudo em volta quando tivesse usado a centrífuga e provavelmente a patroa teria me matado ;)
Nota: Não deves deixar a rotação da centrífuga muito alta nem deixá-la ligada por muito tempo, porque senão a camada de tinta ficará muito fina.
Se tiveres uma fonte de tensão variável, podes começar alimentando o circuito com uma tensão baixa, digamos uns 3 volts, que tu irás aumentando gradualmente, para que a velocidade da ventoinha aumente também de modo gradual.
Eu não tenho essa fonte regulável, então uso uma fonte de 6V para alimentar a ventoinha (de 12V), fazendo com que ela gire mais de vagar que o normal.
Deixando a emulsão secar na placa
Ao fim do processo de aplicação de emulsão + sensibilizante, deves deixar a placa secar por algum tempo
em um local escuro!
Eu deixo a placa secar por uns 10 ou 15 minutos
ao natural, depois eu ligo o ventilador no mínimo (não muito próximo à placa), para apressar o processo de secagem. De 30 a 60 minutos a placa estará totalmente seca.
Quando a placa estiver completamente seca, verás que de verde escuro, com aparência de úmida, a tinta passará a um verde bem claro e sem a aparência de estar úmida.
Nota:
- Se a placa não estiver totalmente seca, o fotolito estragará quando formos usá-lo ou na hora de removermos a tinta ela sairá nas partes que não estiverem secas.
- Se deixarmos a emulsão muito tempo sobre a placa, a sua remoção será muito difícil e provavelmente tu estragarás o serviço ao tentar remover a emulsão.
Sensibilização da Placa
Com a placa seca, ainda em ambiente escuro, o seguinte:
- coloque uma placa de vidro sobre a mesa.
- centralize a PCI, com a emulsão virada para cima, sobre a placa de vidro.
- coloque o fotolito sobre a placa. O lado fosco, ou seja, aquele onde a tinta se depositou deve ficar em contato com a emulsão!
- coloque a outra placa de vidro sobre o conjunto PCI + fotolito, formando um sanduíche.
- A seguir, coloque o abajur com a lâmpada sobre a placa de vidro e acenda a luz.
O tempo de exposição varia com o tipo de luz utilizada e com a distância da lâmpada para a PCI. Eu uso uma lâmpada fluorescente de 34W, ligada por 15 minutos a uma distância de 10cm da PCI.
Há pessoas que usam lâmpadas halogenas, de luz negra, ultra-violeta com as mais diversas potências e até a exposição direta sob o sol.
Tu terás que fazer teus testes para determinar por quanto tempo deverás expor a placa com emulsão baseado no método que fores usar.
A figura 10 mostra o sanduíche formado pelas placas de vidro (como as fatias do pão) e pela PCI + fotolito (como o recheio), expostos à luz da lâmpada fluorescente.
Figura 10 - sensibilização da placa.
Revelação
Nada mais é do que a remoção da emulsão das partes que deverão ser removidas pelo percloreto de ferro durante a corrosão. Esta etapa também deve ser feita em ambiente escuro.
Essa etapa é chamada de revelação porque a imagem do
layout vai aparecendo igual ao que ocorre quando se revela um filme fotográfico.
Faça o seguinte:
- remova o fotolito de cima da PCI. Se neste passo a camada de emulsão se soltar, limpe a placa recomece o processo do zero. Prováveis causa do problema:
- a placa não secou o suficiente;
- tu não misturaste a emulsão + sensibilizante na proporção adequada;
- puseste o lado brilhante do fotolito em contato com a emulsão ao invés do lado fosco;
- não comprimiste o fotolito sobre a emulsão de modo adequado;
- a emulsão ou sensibilizante são muito velhos.
- insira a placa em uma vasilha de plástico com água morna (quente o suficiente que consigas mergulhar a mão nela sem se queimar) e deixe-a submersa por 90 segundos.
- mantendo a placa submersa, passe o rolo, sempre úmido, sobre a placa, bem delicadamente. A emulsão deve começar a se soltar. Se todas as etapas anteriores tiverem sido feitas adequadamente, a emulsão vai se soltar facilmente, ficando apenas as trilhas e pads que compõe o layout.
Após 5 minutos passando o rolo sobre a placa, somente o desenho do layout deverá estar com a emulsão. No restante da placa, o cobre deverá ser visto claramente.
Se as trilhas começarem a se soltar, é sinal que alguma coisa deu errado em alguma etapa anterior. Vais ter que limpar a placa e recomeçar do zero. As causas são as mesmas da etapa 1.
Assim que toda a emulsão tiver sido removida, tire a placa da vasilha com água e use um secador de cabelos para secá-la bem. Eu deixo a placa morna com o secador.
- Se o cobre não estiver brilhante é sinal que uma película de emulsão se formou sobre a placa (popularmente conhecido como véu). Para retirar o véu, primeiramente a placa deve estar muito bem seca (secagem feita na etapa anterior).
Despeje uma quantidade generosa de sapólium radium sobre a placa e depois uma pequena quantidade de água, o suficiente para formar uma pasta. Com a escova de dentes esfregue bem a placa para remover o véu (mas não aplique força exagerada para não soltar as trilhas).
Após 1 minuto esfregando a placa, lave-a delicadamente com água e seque-a bem com o secador. Verifique se ainda há véu em alguma parte da placa. Se houver, ponha o sapólium sobre as partes que precisam ser limpas e repita a operação.
Lembre-se de parar a cada um minuto e secar bem a placa para evitar que as trilhas se soltem. Normalmente duas ou três vezes são o suficiente para tirar todo o véu.
A figura 11 mostra duas placas. A de cima foi danificada durante a lavagem. O problema foi causado por uma camada muito grossa de emulsão, que não secou adequadamente.
Repare no aspecto de sujeira da placa de baixo. Esse é o famoso véu.
Figura 11 - Duas placas após a revelação.
Preparando a placa para a corrosão.
A emulsão não vai aguentar muito tempo sob a água. Daí a necessidade dessa etapa.
Com a placa totalmente limpa e seca, vamos embeber um cotonete com o sensibilizante e aplicar sobre a emulsão que reveste as trilhas e pads. Após isso, devemos reexpor a placa à luz até que a emulsão fique preta.
Eu gosto de deixar a placa
torrando sob o sol forte.
A figura 12 ilustra uma placa com as trilhas pretas após ter sido exposta ao sol com a nova camada de sensibilizante. Note que eu passei sensibilizante até em áreas onde não haviam trilhas. Isso está errado (além de ser um desperdício de material). Mas eu estava com pressa e fiz essa caca.
Figura 12 -placa com emulsão negra após exposição ao sol com segunda aplicação de sensibilizante.
Corrosão
Eu faço a corrosão com percloreto de ferro. Não use percloreto muito velho, pois senão pode acontecer uma das duas coisas (ou ambas):
- a emulsão começará a se soltar e as trilhas serão corroídas.
- a emulsão amolecerá e permitirá que o percloreto se infiltre e corroa as trilhas.
A figura 13 ilustra uma placa já corroída.
Figura 13 - placa já corroída e limpa.
O processo parece mais trabalhoso do que é na realidade. Por isso, não se impressione se parece muita coisa para ser feita. Aprenda a fazer placas com esse processo que ele te permitirá fazer placas bem complexas.
Escolha uma placa fácil de ser feita para aprender esse método. Ou seja, placas com poucas trilhas e sem trilhas muito finas.
Excepcionalmente, para este artigo, eu
NÃO vou responder a nenhuma pergunta sobre o método. Repetindo: eu
NÃO vou tirar dúvida nenhuma que seja postada aqui. Vou solenemente ignorar qualquer pergunta sobre o método.
Por quê? Por dois motivos:
- Tu deverias ler todo o fórum, pois todas as dúvidas que tiveres provavelmente já foram respondidas lá.
- o fórum é o melhor lugar para postares todas as tuas dúvidas. Assim o conhecimento ficará concentrado em um lugar apenas. Isso é bom para todos.
E quando fores postar alguma pergunta no fórum, por favor, não dirija a pergunta para mim. Qualquer um dos usuários tem condições de te ajudar (aliás, quase todos tem muito mais experiência que eu nesse assunto).
Espero que tenhas gostado e que te seja útil.