Neste mês de setembro faz 26 anos que eu me apaixonei perdidamente por ela. Quando a vi pela primeira vez quase morri. Linda, sexy, sedutora, envolvente e misteriosa.
Naquela época, 1983, um colega meu me mostrou a revista Bê-A-Bá da Eletrônica, do professor Bêda Marques. Junto com a revista ele trouxe uma montagem feita em barra de conectores sindal.
Tratava-se de um flip-flop transistorizado que acendia e apagava dois LEDs alternadamente. Quando eu vi aquilo, que parecia mágica pra mim, decidi na hora: quero saber como isso funciona! Quero saber criar as minhas próprias invenções! Foi amor à primeira vista.
Desde então, nunca mais deixei de gostar de Eletrônica. Comprava todas as revistas disponíveis sobre o assunto. E eram várias: Bê-A-Bá da Eletrônica, Divirta-se com a Eletrônica, Eletrônica Digital, Saber Eletrônica, Electron Eletrônica, Elektor, RIUB (Revista do Instituto Universal Brasileiro), Antenna Eletrônica Popular... Alguém ainda lembra delas?
E eu fazia
TODAS (e quando digo
TODAS, eu quero dizer
TODAS MESMO) as montagens que apareciam nas revistas. O dinheiro era curto, daí eu montava e desmontava os circuitos para reutilizar as peças em outro projeto. Os aparelhos velhos eram os maiores
doadores de componentes. Eu aproveitava tudo que fosse possível. Cada centavo economizado era usado para uma revista nova, uma ferramenta que faltava na bancada...
E quando não funcionavam as coisas? A frustração era grande. No início eu não tinha nem conhecimento nem ferramentas para descobrir o que estava dando errado. E o pior: não tinha para quem perguntar.
Aí eu desmontava tudo e começava outra vez. Uma, duas, três vezes... Muitas vezes eram erros bobos... um componente invertido, um capacitor com valor errado... outras vezes o problema era no próprio circuito. O projetista errou alguma coisa ou algo foi publicado errado e aí o negócio não funcionaria mesmo. Mas como saber disso? Eu estava iniciando no mundo da Eletrônica.
E sabes qual era a pior revista neste sentido? A Saber Eletrônica. Eu já tinha até trauma. Pelo menos a metade dos projetos por ela apresentados não funcionavam. Para muitos, a correção dos problemas aparecia uns dois ou três exemplares depois da publicação do projeto. Eram as famosas erratas. Legal, era só seguir as correções que eles apresentavam que tudo funcionava. Mas para alguns projetos que não funcionaram não vieram correções e ficava por isso mesmo. A falha era minha? Não sei.
A Bê-A-Bá tinha uma linguagem muito fácil. Ela foi escrita com tanto esmero, com tanto cuidado e com uma didática tão boa que eu tinha a impressão que o professor Bêda Marques estava conversando comigo. Aliás, este era o enfoque da revista: o professor Bêda Marques usava a revista como a classe de aula que nós, leitores/alunos frequentávamos. Esta foi a melhor revista de Eletrônica já publicada.
Tenho todos os exemplares do número 1 ao 18. Aliás, devo um agradecimento especial à minha mãe, que na época não entendia muito o meu interesse por esse negócio mas mesmo assim pediu os exemplares atrasados (1 ao 7) para que eu completasse a coleção.
Com o passar dos anos, algumas revistas surgiram e outras desapareceram. Acompanhei a mudança no mercado editoral em que as revistas de Eletrônica foram sumindo e as de informática se proliferavam. Ditado pelo interesse dos leitores? Não sei.
A Editora Saber inovou com o lançamento das revistas Mecatrônica Atual e Mecatrônica Fácil. Alguns poucos anos depois, para minha tristeza, a Mecatrônica Fácil parou de ser publicada. As razões alegadas pela Editora Saber foram os custos elevados, o baixo número de leitores e a pirataria. Sinto até hoje. Depois da Bê-A-Bá da Eletrônica, a Mecatrônica Fácil foi a revista de que mais gostei.
Fiz vários cursos de manutenção e trabalhei como técnico. Paralelamente, mantinha-me ativo com meu hobby. Aprendi a fazer as placas de circuito impresso.
Primeiro pelo processo manual, depois com decalques. Daí aprendi a serigrafia, para fazer circuitos com qualidade profissional. Acordava e dormia com a Eletrônica.
Queria conquistá-la a qualquer custo, mas ela, caprichosa, sempre apresentava uma nova faceta, desafiava-me. Quando entrei na faculdade foi uma felicidade sem igual.
Sempre que possível eu estava no laboratório. Era o paraíso: tinha osciloscópio, gerador de sinais, frequencímetro, entre outras coisas. Rapaz, naquela época parecia impossível que eu um dia teria condições de adquirir um osciloscópio.
Eu tinha um carinho especial pelo laboratório. Tinha mais que isso. Tinha ciúmes dos equipamentos. Detestava quando alguém ia utilizá-los e ficava de olho pensando: -
se esse filho da p... estragar algo, ele vai ter que pagar!.
E teve uma vez que um grupo de alunos que estava no final do curso foi montar um circuito e ligou errado os equipamentos.
- Está ligado errado. Vocês vão queimar o osciloscópio - eu disse, preocupado em manter tudo funcionando.
- Não está não. - responderam.
- Está sim. E se vocês queimarem essa merda, vocês vão pagar. - falei P da vida com a burrice deles.
Eles não deram ouvidos e queimaram o osciloscópio. Não tive dúvidas. Avisei ao professor Orlando, responsável pelo laboratório, o ocorrido e ele fez com que os idiotas pagassem o conserto. Quase morri de raiva naquele dia. Mas infelizmente eu não podia bloquear o acesso dos outros alunos ao laboratório.
Quando finalmente me formei em Engenharia Eletrônica eu estava desanimado. Vários professores diziam que trabalhar com Eletrônica no Brasil não daria futuro. O negócio era software.
Para completar a desilusão o professor Nélio fechou a sua empresa, que desenvolvia equipamentos para a área de Geologia e montou uma padaria! Uma padaria!
Dá pra acreditar? Ele, a sua esposa e as duas filhas, todos engenheiros, eram sócios de uma empresa de engenharia e mudaram para o ramo da panificação. Por quê? Por quê? Ele me disse o motivo. Era muito mais fácil ganhar dinheiro vendendo pão que vendendo equipamentos. Para não falar na carga tributária, custos de manutenção e operação... enfim, foi um balde de água fria. Fui trabalhar com Telecomunicações.
Estava tão desgostoso que vendi quase todos os meus livros de engenharia, cálculo e física. Meu amor, na época namorada e hoje esposa, ainda tentou me dissuadir:
- Tu vais vender teus livros? Deixa disso. Depois tu vais te arrepender.
- Não vou não.
- Então dê os livros pra mim.
- Não. Vou vendê-los.
Vendi os livros e depois me arrependi. Ela já me conhecia muito bem. Sabia que eu não consigo deixar de gostar da Eletrônica.
Depois comecei a trabalhar com desenvolvimento de software, que é o que faço até hoje.
Por um tempo parei totalmente com as montagens. Aí dava uma recaída e eu comprava uma revista, comprava umas peças e começava alguma montagem. Mas várias vezes faltava algo e eu parava pelo caminho. Por que eu não comprava as peças necessárias e finalizava a montagem? A desculpa que eu dava é que não queria gastar dinheiro, que não achava o que queria nas lojas ou que tinha esquecido de incluí-las na lista de compras. E quando não concluo o que começo pareço um bicho. Fico P da vida, xingo tudo e todos. Nada está bom.
E por que não resolvia isso? A verdade? Não queria me animar com a Eletrônica e depois voltar à realidade dos fatos: vagas para trabalhar com Eletrônica geralmente são coisas burocráticas, gerenciais, relacionadas a vendas ou manutenção. E eu não quero nada disso. Eu gosto é de projetar, montar e testar os circuitos. As poucas vagas que são para trabalhar projetando em geral pagam pouco (pelo menos as que eu vi).
Sempre que recordo disso bate uma nostalgia muito grande. Enquanto escrevo fico lembrando dos planos, das ambições de menino.
O fato é que a vontade de brincar com a Eletrônica nunca me abandonou e às vezes eu fico tão alucinado, com crise de abstinência, que eu pego as peças que tenho em casa e monto alguma coisa. É incrível como relaxo quando estou montando as minhas traquitanas. Quando termino com o treco funcionando estou calmo, bem humorado. Quase (eu disse quase) tão bom quanto sexo :)
Decidi que voltaria aos braços dela. Comecei a estudar o processo fotográfico para a confecção das placas de circuito impresso, comecei a comprar livros novamente. Estabeleci que manteria a meta de, no mínimo, uma montagem a cada 2 meses. Muito longe da marca do passado, mas hoje tenho mais compromissos e menos tempo livre... O importante é que não vou abandoná-la nunca mais, meu eterno amor.